Mais desrespeito, por favor!
- Augusto do Carmo

- 20 de out.
- 4 min de leitura

Talvez nenhum outro conceito que permeia o mundo mental humano tenha sido tão distorcido em nossa era quanto o Respeito. Falar sobre ele é um desafio particular.
A humanidade, ao longo de séculos de privação do discernimento, passou a compreender o Respeito como escudo para toda e qualquer alucinação da mente humana. Nos dias de hoje, ele deixou de ser uma força vinculada à Ordem e passou a ser compreendido como um simples movimento de proteção de utopias, devaneios e perversões — um mero instrumento de defesa da vontade individual em detrimento do coletivo.
Diferente dos princípios morais, que são forças independentes e buscam afirmar-se no mundo, o Respeito é apenas uma estratégia de afirmação do eu. Ele não tem raiz energética própria — é um valor vazio, que toma a forma do “eu” que o reivindica. Por isso é tão vulnerável aos pressupostos, sendo talvez a ideia humana que mais carece da presença do discernimento para não se tornar força de destruição. Se a Coragem, desprovida de discernimento, abastece a maldade, o Respeito sem discernimento transforma-se em escudo para toda forma de alucinação da mente humana. Através dele, cada grupo protege a sua narrativa e cada ideologia blinda o seu delírio. É, portanto, um valor parasitário: só sobrevive colado a uma estrutura moral maior — e morre, ou se corrompe, quando separado dela.
Na ausência do discernimento, o Respeito degenera-se em ferramenta de manipulação — um salvo-conduto para a loucura e para a anarquia. Com discernimento, ao contrário, torna-se o guardião da Realidade: a energia que protege o espaço comum e sustenta a Ordem.
Sua influência foi tamanha que chegou a corromper até mesmo o sagrado. Em Efésios 6:5-7, por exemplo, o apóstolo Paulo ordena aos escravos que “respeitem” seus senhores terrenos como respeitariam a Cristo, confundindo submissão com virtude.E, ainda hoje, o mesmo equívoco se repete: grupos e ideologias exigem “respeito” às suas alucinações, reivindicam que bonecas sejam tratadas como pessoas, ou que crenças, vontades e desejos particulares tornem-se leis a reger a vida em sociedade.
O Respeito é o agente garantidor da Autenticidade — a força que grita dentro do indivíduo toda vez que seu espaço mental, físico ou emocional é ameaçado. É a energia que delimita a fronteira entre o eu e o mundo. Mas é preciso reconhecer que tais fronteiras se dissolvem na experiência coletiva.
Na Hexologia, o Respeito não é compreendido como princípio moral — ou seja, não é força motriz. É um valor mediador que nasce da convivência social: um valor de contenção.É o esforço natural do homem pela preservação da Ordem na presença da Humildade. É por isso que não é possível ser respeitoso sem ser humilde. Só quem conhece o doce sabor da humildade pode flertar com o respeito. Quem fala de respeito sem conhecer a humildade comete o mesmo erro de quem tenta tapar o sol com uma peneira ou enfeitar o jardim com flores de plástico.
O verdadeiro respeito surge da tentativa sincera do discernimento de equilibrar a Autenticidade (expressão do eu) e a Fraternidade (acolhimento do outro). Por isso, todo aquele que luta para impor sua visão do mundo não luta por respeito, mas por domínio ou aceitação. Mas haveria delírio maior do que impor sobre o outro a nossa própria insanidade ou esperar que o outro aceite nossas loucuras?
O Respeito é, portanto, um espelho deformável do ego coletivo: ele reflete, sem questionar, a forma que lhe impõem.E, como não é força, mas convenção, não resiste à manipulação.
O Respeito não é uma força que move o ser, mas um reflexo social da Ordem iluminada pela Humildade. Não pertence ao reino dos princípios, mas ao das convenções — é a tradução pedagógica da harmonia, não a sua causa.
É chegado o tempo da bravura digna, o tempo de levantar-se para o resgate da sanidade no mundo. Não há mais espaço para a defesa da estupidez disfarçada de “respeito”. É chegada a hora de respeitar o próprio Respeito.
Isto quer dizer: precisamos compreender que o Respeito é uma expressão da incrível capacidade humana de discernir — e que o discernimento é um dom sagrado que deve, este sim, ser respeitado.
Precisamos reconhecer que não podemos chamar de “respeito” a aceitação descomedida e indecorosa de toda e qualquer ideia humana, sobretudo daquelas que buscam unicamente a perversão egoísta e o desarranjo da ordem natural das coisas.
É chegada a hora de o discernimento romper com a ilusão do desrespeito e guiar o “politicamente correto” de volta ao seu propósito original: o reestabelecimento da Ordem.
Que este trabalho seja, então, um chamado ao resgate da virtude do desrespeito: o desrespeito da mãe que limita a liberdade do filho; o desrespeito do sol que acorda o galo e desperta o homem para a necessidade de trabalhar; o desrespeito do tempo que não pára de impor-se sobre nós.
Porque há, em toda forma de desrespeito verdadeiro, um gesto secreto de amor pela vida — a lembrança de que o mundo só se mantém em pé porque algumas forças ainda ousam contrariar a loucura.


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